quarta-feira, 26 de outubro de 2011

Segunda Aula - Hamartiologia

Frase



“Aquele que não conheceu pecado, o fez pecado por nós; para que nele fôssemos feitos justiça de Deus.”

Paulo, apóstolo – I Co 5.21



Indicação Literária



Livro: O Silêncio de Adão

Autor:Larry Crabb

Editora: Ed. Sepal



Oração



ESTADOS DO GOLFO: Dê graças pela bem-sucedida distribuição de Escrituras durante 2010, o Ano do Trabalhador Migrante. Louve a Deus também pelas bem-sucedidas iniciativas de alfabetização e pelo trabalho com as igrejas que utilizam o idioma árabe. Ore pelos novos centros de recursos, que serão inaugurados em breve, e pelo sucesso dos muitos outros projetos que estamos planejando para este ano.



IRAQUE: Agradeça a Deus pela Obra Bíblica nesse país. Apesar das dificuldades, há uma crescente necessidade de Escrituras. Continue a orar pelos cristãos perseguidos: milhares de famílias foram obrigadas a abandonar suas casas por motivos de segurança. Ore por nosso programa holístico voltado para elas. Que a Palavra de Deus lhes dê ânimo e esperança. Ore também pela segurança de nossas equipes que viajam pelo país atendendo às igrejas e às necessidades de Bíblias.



SÍRIA: Dê graças pela oportunidade única de desempenharmos nossas funções, enquanto muitos outros ministérios estão reduzindo suas atividades. Louvamos a Deus por nosso novo Centro de Recursos para a juventude em Damasco e outros trabalhos desenvolvidos com jovens. Ore por nossa equipe que recentemente foi ampliada e pelo desenvolvimento de nossa nova estrutura. Agradecemos a Deus porque nossa prioridade continua sendo a distribuição de Escrituras. Ore por nosso papel como um espaço de encontro para a igreja





Lembranças

- 5º Feira, 13 de outubro no teatro, musical dos adolescentes da Sede




Definição prática de Pecado

- Rompimento de relações

- Morte

- Condição – Pecado – Pecado Original

- Um ato – Pecados – Pecados derivados


Conceituadas vozes dando pareceres sobre pecado

- Wayne Grudem

- Chafer

- Bancroft

- Ambrósio

- C. S. Lewis

- Santo Agostinho - Pereira



A Origem do pecado para pensadores

- Irineu de Lyon

- Gnósticos

- Orígenes de Alexandria

- Igreja Latina (Romana

- Igreja grega (Constantinopla)

- Agostinho


A Origem do pecado na Bíblia


1º - Teve origem em Deus???

2º - Teve Origem no mundo Angelical

3º - Teve origem no mundo humano com Adão e Eva no Éden



A DIVINA TRÍADE: IRINEU DE LIÃO E A DOUTRINA DE DEUS- http://www.mackenzie.br/6930.html - Alderi Souza de Matos






Irineu, o bispo de Lião, ocupa um lugar de destaque tanto na história da Igreja em geral quanto na história do pensamento cristão em particular. A sua vida e obra são especialmente significativas porque ele viveu em um período importante da Igreja Primitiva sobre o qual temos relativamente poucas informações. O segundo século foi uma época em que os apóstolos, os sucessores imediatos de Jesus, já não viviam, e a Igreja Cristã ainda não havia alcançado a força e estabilidade que iria obter nos séculos seguintes. Foi uma época de incertezas para o movimento cristão ainda recente, constantemente ameaçado por perseguições e heresias; uma época em que a Igreja, pressionada pelos desafios lançados tanto por seus críticos pagãos como por seus dissidentes cristãos e pseudocristãos, sentiu-se mais e mais compelida a explicitar a sua fé em termos claros e convincentes.



Irineu de Lião tem sido chamado merecidamente “O Pai da Ortodoxia Cristã”, “O Pai da Dogmática Católica” e “O Primeiro Grande Teólogo sistemático da Igreja”. Ele também foi caracterizado como o mais importante teólogo do segundo século, o teólogo que sintetizou o pensamento daquele século e dominou a ortodoxia cristã antes de Orígenes. Curiosamente, Irineu não foi primariamente um teólogo no modelo escolástico, mas um pastor e mestre da igreja, um homem preocupado com a integridade da mensagem cristã e com a unidade, paz e prosperidade do corpo de Cristo. Os seus escritos são uma resposta direta, motivada por considerações pastorais e práticas, ao sério desafio e ameaça representado pelo gnosticismo. Portanto, ele se dirige a outros líderes cristãos para ajudá-los a protegerem os seus rebanhos de ensinamentos que pervertiam seriamente o evangelho.



A sua luta decisiva e eficaz contra o gnosticismo coloca Irineu entre os chamados Pais Anti-Gnósticos. Como tal, Irineu se insere numa longa tradição de defesa corajosa da fé cristã, contra as heresias, que foi iniciada pelos autores do Novo Testamento e teve prosseguimento com os Pais Apostólicos e os Apologistas. Nos seus esforços intelectuais, ele foi imediatamente seguido pelos grandes pensadores do terceiro século, mui especialmente Tertuliano (c.155-222) e Orígenes (c.185-254).



Ainda que não tenha sido fundamentalmente um teólogo, muito menos um teólogo sistemático, Irineu certamente produziu uma teologia profunda, sólida e influente. No entanto, ao contrário dos Apologistas, particularmente Justino Mártir (c.100-165), ele nutria grandes suspeitas em relação às especulações filosóficas, e isto por duas razões—elas não levavam a conclusões certas e confiáveis e eram, a seu ver, uma das fontes do gnosticismo. O traço peculiar dos escritos de Irineu é a sua natureza explicitamente bíblica. Ele é acima de tudo um teólogo bíblico, no sentido de que para ele a tradição bíblica era a única fonte da fé e o verdadeiro fundamento da teologia. Tendo rejeitado a noção de que o conteúdo da revelação era simplesmente uma nova e melhor filosofia, Irineu, mais do que qualquer dos seus predecessores, esforçou-se para fornecer uma síntese de toda a Escritura, cobrindo todas as principais áreas da teologia cristã.



Ao mesmo tempo, é evidente que Irineu recebeu muitas influências e fez uso de diferentes fontes, tanto bíblicas como extrabíblicas, que faziam parte do seu contexto intelectual secular e religioso. Ele não reivindica ser um autor original, mas vê a si mesmo como um expositor da doutrina que havia recebido da Igreja. Embora os seus escritos sejam circunstanciais, condicionados pelas necessidades imediatas da Igreja, eles nos dão uma boa perspectiva de como era o pensamento e o ensino bíblico e doutrinário ao final do segundo século.



Devido à sua contribuição, “não é de surpreender”, diz Hardy, “que os teólogos modernos convidem Irineu a dar-lhes apoio em nossas atuais discussões”. González vai além, afirmando que “a sua teologia, fundamentada na Bíblia e na doutrina da Igreja antes que em suas opiniões pessoais, tem sido continuamente uma fonte de renovação teológica”. Provavelmente, a principal área em que Irineu deu uma contribuição permanente à Igreja de todos os tempos foi a teologia propriamente dita, ou seja, a doutrina de Deus. Era precisamente nesta área que o ensino gnóstico se mostrava mais prejudicial à doutrina cristã, através de sua incisiva negação da unidade de Deus e a sua conseqüente tendência divisionista na cristologia, na antropologia e na eclesiologia.



O propósito deste estudo é rever e avaliar esta contribuição de Irineu ao pensamento cristão a partir de uma perspectiva histórica e teológica. As próximas seções irão tratar resumidamente da vida e obra desse pensador, de alguns aspectos do sistema gnóstico por ele combatido e dos argumentos utilizados nesta confrontação, e de uma exposição e análise da sua doutrina de Deus, que antecipou vários temas das célebres discussões trinitárias dos séculos seguintes.



1. A vida de Irineu



Muito pouco se conhece sobre a vida de Irineu. Ele aparece pela primeira vez nos documentos antigos como o portador de uma carta dos confessores de Lião para a Igreja de Roma (bispo Eleutério, c.174-189), na época da perseguição do ano 177. Esta carta pedia tolerância para os montanistas da Ásia Menor. Em uma carta pessoal preservada por Eusébio de Cesaréia (Hist. eccl. 5,20,4-8), Irineu conta que tinha vívidas lembranças de Policarpo, o bispo de Esmirna, que fora discípulo do apóstolo João. Isto era altamente significativo para Irineu, uma vez que Policarpo o colocava em contato com a era apostólica. Irineu nasceu entre os anos 120 e 140 na Ásia Menor, provavelmente em Esmirna, onde ainda menino conheceu Policarpo, que foi martirizado aos 86 anos de idade no ano 155.



Possivelmente por volta do ano 170, motivos familiares, pessoais ou missionários o levaram a Roma e depois para Lião (Lugdunum), no sul da Gália, atual França, onde ele se tornou um presbítero. Hardy comenta que a Lião do segundo século era uma pequena Roma. Uma cidade comercial às margens do Ródano e o centro do sistema romano de estradas da Gália, Lião era a sede de uma guarnição romana e a capital das três províncias gaulesas, sendo também o centro do culto imperial naquelas províncias. Como Roma, Lião tinha uma grande população de língua grega entre a qual o cristianismo estava firmemente estabelecido. A igreja de Lião tinha outros imigrantes de língua grega procedentes da Ásia Menor como Irineu.



Após a sua missão em Roma no ano 177, Irineu retornou para Lião e descobriu que o bispo Potino havia sido martirizado, sendo então escolhido para ser o seu sucessor. Como bispo de Lião, Irineu liderou a igreja daquela cidade, defendeu o seu rebanho contra as heresias e lutou pela paz e unidade da Igreja Cristã como um todo. Esta última preocupação o levou a intervir na controvérsia pascal (c.190), quando Vítor, o bispo de Roma (189-198), ameaçou excomungar as igrejas da Ásia Menor por causa de um desentendimento referente à data da celebração da Páscoa. Por esta razão, Eusébio declara que Irineu portou-se à altura do seu nome, porque provou ser um verdadeiro pacificador ou eurenopoios (Hist. eccl. 5,24,18). Após este incidente, Irineu desapareceu completamente dos registros históricos e até mesmo o ano da sua morte é desconhecido.



2. Escritos



Irineu escreveu uma longa série de obras, das quais somente duas sobrevivem: seu grande tratado A Detecção e Refutação da Falsamente Chamada Gnose (c. 185), geralmente conhecido como Contra as Heresias (AdversusHaereses), e uma obra de menor tamanho, Epideixisou Demonstração da Pregação Apostólica, um tratado apologético descoberto em uma versão armênia em 1904 e publicado pela primeira vez em 1907. Dos outros escritos de Irineu—vários tratados e cartas—temos apenas uns poucos fragmentos ou somente os títulos, os quais foram preservados por Eusébio de Cesaréia.



A gigantesca Contras as Heresias consiste de cinco livros que no seu conjunto são maiores do que todo o corpo de literatura cristã existente naquela época. O original grego perdeu-se quase inteiramente, mas existe uma tradução latina muito literal que foi publicada pela primeira vez por Erasmo de Roterdã em 1526, e também uma versão armênia dos dois últimos livros publicada em 1913.



Como indica o título original, a obra é composta de duas partes. A primeira parte (Livro I) trata da detecção ou descrição das doutrinas dos gnósticos, especialmente dos discípulos de Ptolomeu, que era discípulo de Valentino. O autor conclui triunfantemente: “Meramente descrever tais doutrinas é o mesmo que refutá-las” (Adv. haer. 1,31,3-4). A segunda parte, a “refutação”, compreende os quatro livros restantes. No Livro II, Irineu refuta a gnose dos valentinianos e dos marcionitas com base na razão. Ele ataca as doutrinas do pleroma e dos eons com uma lógica implacável, mas não procura elaborar uma alternativa especulativa. Na realidade, o Livro II desenvolve o que havia ficado incompleto no primeiro livro.



Os últimos três livros são devotados à refutação do gnosticismo com base nas Escrituras. Aqui Irineu trata de muito temas mais amplos e elabora os princípios basilares da teologia cristã. O Livro III coloca o fundamento da doutrina cristã nas Escrituras e na tradição e elabora com detalhes os seus pontos essenciais—a unidade de Deus e a redenção por meio de Cristo. O Livro IV defende contra Márcion a unidade das duas alianças e o Livro V continua a discussão acerca da redenção e daí passa para as últimas coisas e a esperança do mundo por vir. Neste livro, Irineu discorre longamente sobre a ressurreição do corpo, que era negada por todos os gnósticos.



Contra as Heresias é a primeira grande obra cristã no segundo nível da teologia, a primeira tentativa abrangente de declarar o que é realmente o cristianismo. Embora muito menor, a Epideixisou Demonstração também é significativa, uma vez que parece representar o ensino de Irineu aos catecúmenos. Ela segue a ordem da fórmula batismal, aduzindo provas escriturísticas para a crença no Pai, Filho e Espírito Santo.



3. Os gnósticos



Bengt Hägglund observa com propriedade que “foi o idealismo gnóstico, com a sua negação da criação, que compeliu os pais da Igreja a abordarem com tantos detalhes as doutrinas de Deus e da criação, juntamente com o problema do homem, a encarnação e a ressurreição do corpo”. É bem sabido que aquilo que chamado de gnosticismo era um fenômeno muito complexo que assumiu uma grande variedade de configurações. De um lado do espectro havia manifestações de uma gnose cristã, das quais a mais destacada foi o marcionismo. Por outro lado, os gnósticos do tipo valentiniano dificilmente poderiam ser considerados como cristãos. Eles eram perigosamente enganosos uma vez que utilizavam as mesmas Escrituras e a mesma linguagem que os cristãos, mas com um sentido radicalmente diferente. Irineu chama atenção para este fato através da interessante analogia da imagem de um rei e de sua transformação na imagem de um animal (Adv. haer. 1,8,1).



Todos os sistemas gnósticos tinham em comum a opinião de que o cristianismo ortodoxo, com o seu “credo” claro e objetivo, era demasiado simples. Eles professavam no mínimo ter uma resposta mais complexa para o enigma do universo. Filosoficamente, as diferentes correntes do gnosticismo também tinham em comum a negação da unidade de Deus conforme apresentada nas Escrituras e ensinada pela Igreja Primitiva. Na sua forma mais simples, eles negavam a identificação do Deus do Velho Testamento, Iavé, com o Deus de Jesus Cristo.



Norris pondera que o contexto da “gnose” ou “verdade mais profunda” do gnosticismo “tinha a ver com a questão religiosa fundamental da origem, natureza e destino da alma”. Esta preocupação levava a um entendimento do Ser Divino e da sua relação com o mundo que distorcia por completo o ensino cristão tradicional acerca de Deus. Deste erro fundamental, decorriam todas as outras idéias gnósticas errôneas nas diferentes áreas da teologia cristã.



Na concepção de Irineu, a gnose era pura e simplesmente uma contradição do cristianismo, uma negação das suas doutrinas capitais. Como sabemos, Irineu não estava interessado no gnosticismo como um fenômeno geral, mas em um tipo particular de ensino que ele havia encontrado em Lião — a doutrina de Ptolomeu, “um rebento da doutrina de Valentino” (Adv. haer. 1, prefácio, 2). Como tal, a gnose ptolomaica era “um sistema de complexidade fantasmagórica, cujo propósito era expor a verdade acerca da identidade do gnóstico em sua natureza mais íntima”.



Conforme a descrição de Irineu, o traço essencial da gnose ptolomaica era um dualismo consistente. Os gnósticos não reconheciam um, e sim dois mundos. Havia o Pleroma ou Plenitude, uma sociedade de seres divinos ou Eons, em cujo ápice ficava a realidade última desconhecida e incognoscível, o Abismo. Fora e abaixo do Pleroma estava o corrupto mundo material, o produto indesejado de uma desordem temporária na vida do Pleroma. O mundo foi produzido através de um processo complexo que gerou os seus três elementos constitutivos: matéria corpórea, alma e espírito. Os espíritos dos gnósticos estavam destinados a retornarem finalmente para o seu lar no Pleroma.



O artífice do mundo visível é uma entidade angélica, o Demiurgo, uma simples alma que ignora qualquer vida superior à sua própria. Este é o Deus dos judeus e o Jesus humano e terreno é o seu Messias. No entanto, existe uma dimensão oculta da verdade nos ensinos de Jesus que revela o próprio Pleroma. Isto acontece porque um eon divino, o Salvador, veio sobre Jesus no seu batismo e permaneceu com ele até o momento do seu sofrimento e morte. Todo aquele que lê as palavras de Cristo em sintonia com o seu significado interior, e não com o seu sentido literal, encontra nas mesmas não as palavras do Messias judeu, mas o ensino do próprio Salvador, que traz o conhecimento da vida divina do Pleroma.



Obviamente, a conseqüência deste sistema era o abandono completo do entendimento cristão tradicional acerca do Ser Divino e do seu relacionamento com o mundo. Conforme Norris observa: “Na sua ansiedade de segregar a matéria do espírito, o mal do bem, os gnósticos dissolveram ao mesmo tempo a unidade do mundo e a unidade de Deus”. Por sua vez, este dualismo gnóstico destruía a integridade da teologia da história que estava no âmago da pregação cristã. A oposição entre o Velho e o Novo Testamento, entre Iavé e o Salvador manifestado em Jesus, levava a uma dissolução da unidade da história da salvação, a história da relação de Deus com a humanidade apresentada nos escritos sagrados da Igreja.



4. O argumento de Irineu



A argumentação de Irineu contra a heresia gnóstica foi tríplice: filosófica, histórica e exegética. Primeiramente, ele chamou a atenção para o absurdo lógico do sistema gnóstico, especialmente na sua idéia de Deus. Particularmente, no segundo livro de AdversusHaereses, ele procura expor “as inconsistências de uma concepção que proclama a infinidade e a supremacia do Deus absoluto e ao mesmo tempo nega a sua responsabilidade pelo mundo material. A forma racional e abstrata deste argumento parece contradizer a afirmação anterior de que Irineu nutria suspeitas com relação às especulações filosóficas. Sabemos que em vários pontos de suas obras a sua hostilidade para com a filosofia é bastante explícita (Adv. haer. 2,26,1). Todavia, o fato é que Irineu não poderia deixar de fazer especulações e de utilizar idéias religiosas e filosóficas que estavam profundamente incrustadas no seu contexto cultural (judaísmo helenístico, platonismo, etc.).

Em segundo lugar, Irineu refutou a alegação dos gnósticos de que eles ensinavam a verdadeira doutrina de Cristo e dos apóstolos. Nesta tarefa, Irineu teve de estabelecer as credenciais históricas da sua própria posição, ou seja, a harmonia existente entre aquela doutrina e o seu cristianismo anti-gnóstico. Ele apelou para os escritos sagrados que constituíam o fundamento dos ensinos da Igreja (o Velho Testamento na versão da Septuaginta e os livros que mais tarde seriam conhecidos como o Novo Testamento) e insistiu em que estas fontes escritas eram o único padrão final do autêntico ensinamento cristão. Além disso, ele apelou ao princípio da tradição: o critério para o entendimento das Escrituras é encontrado na doutrina abertamente proclamada (“a regra da verdade”) por aquelas igrejas cujos líderes sucederam numa ordem publicamente reconhecida o ofício docente dos apóstolos. A “verdade” que, de acordo com Irineu, era a “regra” (kanon), consistia da ordem da salvação revelada na Bíblia, proclamada pela Igreja e sintetizada na confissão batismal.



O terceiro nível do argumento de Irineu foi exegético. Ele tomou os ensinos dos profetas, de Cristo e dos apóstolos e mostrou que eles se opunham frontalmente à doutrina dos adversários gnósticos. No decurso da sua análise exegética Irineu desenvolveu o que considerava a alternativa ortodoxa ao gnosticismo. Este empreendimento o levou a utilizar idéias exegéticas e teológicas que havia herdado de escritores cristãos anteriores, especialmente dos apologistas. Desse modo, a elaboração feita por Irineu de uma alternativa ao gnosticismo o levou a dialogar com a cosmologia teológica grega, cujo início consciente pode ser visto nas apologias de Justino. Além disso, à medida que procurava mostrar a continuidade entre os eventos do Velho Testamento e os do Novo Testamento, Irineu utilizou e desenvolveu a chamada exegese tipológica (Adv. haer. 4,20,7 - 25,3).





5. A doutrina de Deus



Por volta de meados do segundo século começou a surgir nos círculos cristãos uma crescente elaboração de formulações confessionais, catequéticas e batismais, bem como o esforço de falar sobre as implicações mais amplas das mesmas, em nível intelectual. Estas elaborações marcam a transição de uma teologia primária para uma teologia secundária ou de segundo nível, em resposta à necessidade de explicar o que acontecia quando alguém era batizado, ou seja, qual o significado do novo relacionamento estabelecido com o Pai, o Filho e o Espírito Santo. Mais especificamente, a necessidade de interpretar as fórmulas catequéticas, confessionais e batismais em face dos escritos heréticos foi o contexto no qual começou a surgir a busca intelectual da doutrina da trindade. Em Irineu, encontramos a primeira elaboração extensa das fórmulas batismais triádicas, juntamente com as suas implicações, como uma resposta direta ao desafio lançado pelo gnosticismo à concepção cristã de Deus.



Irineu inicia com a regra da verdade, a “tradição” ou ensino transmitido pelos apóstolos e fielmente preservado pela igreja. A partir daí ele desenvolve o seu entendimento acerca da unidade de Deus e da realidade da tríade divina: Pai, Filho e Espírito Santo. Não havia um credo em Lião, mas uma linguagem triádica sobre o que significava ser um cristão. Evidentemente, ainda não havia uma doutrina da trindade. Apesar das suas afirmações ao contrário, Irineu demonstrou ter uma mente altamente criativa ao deduzir as implicações das fórmulas tradicionais para muitas áreas do pensamento cristão, particularmente para a idéia de Deus.



5.1 A Regra da Verdade



Como foi visto acima, para Irineu a “regra da verdade” era o sistema de fé derivado dos apóstolos e dos seus discípulos e compartilhado pela Igreja universal. Com isto, ele não estava se referindo a um único credo universalmente aceito ou a qualquer tipo de fórmula como tal, mas ao conteúdo doutrinário da fé cristã transmitida na Igreja “católica”. Em várias passagens, Irineu faz alusões a esta regra da verdade e até mesmo reproduz sínteses da mesma, quase invariavelmente em termos triádicos e em conexão com o batismo.



Existem vários exemplos na Epideixis, como este encontrado no capítulo 3: “Antes de tudo, precisamos ter em mente que recebemos o batismo para a remissão dos pecados em nome de Deus o Pai, e em nome de Jesus Cristo o Filho de Deus, que se encarnou, morreu e ressuscitou, e no Espírito Santo de Deus”. Existem outras referências nos capítulos 7 e 100. A partir desta linguagem, Kelly conclui que Irineu conhecia uma série de perguntas batismais que seriam mais ou menos assim: “Você crê em Deus Pai? Você crê em Jesus Cristo, o Filho de Deus, que se encarnou, morreu e ressurgiu? Você crê no Espírito Santo de Deus?”. A Epideixis tem, no seu capítulo 6, uma exposição detalhada dos três pontos, novamente em um contexto relacionado com o batismo, o que dá uma boa idéia da instrução catequética pré-batismal fornecida naquela época.



Os sumários “credais” mais importantes encontrados em Contra as Heresias são também confissões com três cláusulas. A passagem mais notável é aquela encontrada em 1,10,1:



A Igreja, embora dispersa por todo o mundo, até aos confins da terra, recebeu dos apóstolos e dos seus discípulos esta fé: [Ela crê] em um Deus, o Pai Todo-poderoso, Criador dos céus, da terra, do mar e de todas as coisas que neles estão; e em um Cristo Jesus, o Filho de Deus, que se encarnou para a nossa salvação; e no Espírito Santo, que proclamou através dos profetas as dispensações de Deus. . .



Outra referência importante é aquela encontrada em 4,33,7, que parece ter sido deliberadamente baseada em 1 Cor 8:6:

Ele [o verdadeiro discípulo espiritual] tem plena fé em um Deus Todo-poderoso, de quem são todas as coisas; e no Filho de Deus, Jesus Cristo nosso Senhor, por quem são todas as coisas, e nas dispensações referentes a Ele, por meio das quais o Filho de Deus se fez homem; e uma fé firme no Espírito de Deus, que nos proporciona o conhecimento da verdade, e tem apresentado as dispensações do Pai e do Filho, em virtude das quais Ele habita com cada geração dos homens, de acordo com a vontade do Pai.



Também existem vários exemplos de fórmulas com dois artigos (Adv. haer. 3,1,2; 3,42; 3,16,6; etc.).



Kelly pondera que, surpreendentemente, é tênue a influência de motivos anti-heréticos nestas várias declarações. Talvez isto seja verdade quanto às declarações em si mesmas, mas certamente os seus contextos não deixam dúvida quanto à sua intenção polêmica. É precisamente a partir dessas afirmações da regra da verdade que Irineu deriva os seus principais argumentos contra as noções gnósticas acerca de Deus e do seu relacionamento com a ordem criada.



5.2 Deus, Uno e Criador



Com Irineu, a afirmação de Deus como uno e criador assumiu importância especial, uma vez que a sua tarefa era refutar a teoria gnóstica de uma hierarquia de eons que desciam de um Deus Supremo incognoscível e o seu corolário de uma grande distância entre ele e o criador ou Demiurgo. Um texto torna clara esta posição: “O primeiro artigo de nossa fé”, explica Irineu, “é Deus o Pai, incriado, não-gerado, invisível, Divindade una e única, criador do universo” (Dem. 6; ver também Adv. haer. 2,1,1; 2,9,1; 2,16,3). Deus exerce a Sua atividade criadora através da Sua Palavra e da Sua Sabedoria ou Espírito (2,30,9). Ele criou exnihilo (2,10,4), sendo esta provavelmente a primeira declaração cristã explícita da criação de todas as coisas a partir do nada. Para fundamentar estes princípios Irineu apela, além das Escrituras, à razão natural (Dem. 4).



Deus relaciona-se com o mundo não somente através da criação, mas também através da redenção. O Deus da salvação é o mesmo Deus da criação (Adv. haer. 4,6,2; 4,20,2), ou seja, não há senão um só Deus, que tanto cria como redime. O ensino gnóstico acerca de dois deuses era uma blasfêmia contra o Criador. Ele também implicava na impossibilidade da salvação, porque se Deus não criou, a criação também não poderia ser redimida. Se Deus não foi o criador, ele não iria salvar a criação. Todavia, este é o alvo de toda a ordem da criação. Para os gnósticos, a salvação consistia em serem libertos da criação, do mundo material; para Irineu, no entanto, a salvação significava que a própria criação seria restaurada ao seu estado original e alcançaria o seu destino conferido por Deus.



A visão gnóstica de Deus não somente punha em dúvida o princípio bíblico essencial do monoteísmo, mas impunha uma limitação seja ao poder ou à bondade de Deus. Contra estas concepções, Irineu afirma que Deus é um e único em sua majestade e bondade, e supremo no seu poder. Os termos que ele emprega são tomados, curiosamente, do judaísmo helenístico e da teologia do médio platonismo. Ele escreve que Deus é incriado, incompreensível, sem figura ou forma, impassível e incapaz de erro (Adv. haer. 4,38,2-3). Ele é estático, imutável (2,34,2), auto-contido e auto-suficiente (2,1,5; 4,16,4). Deus é, como Platão observou corretamente, incapaz de ser declarado e, portanto, como Irineu conclui de maneira não platônica, ele é conhecido somente na medida em que se dá a conhecer a si mesmo. Ele é simples, não-composto e totalmente diferente das coisas criadas (2,13,3).



Irineu também repete constantemente que Deus é sem limites. O verdadeiro Deus é ele mesmo o Pleroma, a “Plenitude” de todas as coisas. Como tal, ele não é contido por nada e todavia contém tudo o que existe (2,30,9; 2,1,1). Ele é ilimitado tanto no seu poder como na sua presença: não existe nada à parte dele e nada que não esteja sujeito a ele. Na sua simplicidade e eternidade não-originadas, Deus é o contexto imensurável de todo o ser, bem como a sua fonte—diferente de todas as criaturas, porém não separado de nenhuma delas.



Norris vê aqui uma diferença significativa entre Irineu e Justino. Enquanto que Justino tende a acentuar a transcendência radical do Criador sobre a sua criação, a agenda de Irineu requer uma maneira de afirmar a majestade transcendente de Deus que não pareça excluí-lo do mundo. A noção do caráter ilimitado de Deus não significa meramente que Deus não pode ser medido, mas também que nada impõe um limite ao seu poder e à sua presença. Assim, o que torna Deus diferente de toda criatura—a sua simplicidade eterna e não-gerada—é precisamente o que lhe assegura um relacionamento direto e íntimo com toda criatura.



5.3 A Divina Tríade



Da mesma maneira que os ensinos gnósticos levam Irineu a enfatizar a unidade de Deus, a regra da verdade ligada ao batismo o faz refletir sobre as distinções do Ser Divino: Pai, Filho e Espírito Santo. Irineu mostra a dificuldade de se reconciliar uma só realidade divina com tais distinções, isto é, como afirmar a unidade de Deus e ao mesmo tempo preservar a Tríade. No seu pensamento, as próprias relações das “pessoas” da Tríade permanecem obscuras. Ele trata das implicações da fórmula, mas se recusa a ir além disso; esta tarefa seria deixada para teólogos posteriores.



Como foi visto anteriormente, Irineu começa a sua exposição do Ser Divino a partir dos três artigos fundamentais do símbolo batismal. Uma passagem essencial é Demonstração . Lebreton observa apropriadamente que “a fim de julgar as heresias [Irineu] leva-as a esta regra fundamental e demonstra a oposição das mesmas aos três artigos do símbolo”. Por sua vez, Kelly argumenta que Irineu vai além dos apologistas em dois aspectos, a saber, na sua compreensão mais firme e afirmação mais explícita da noção de “economia” e no seu reconhecimento muito mais pleno do lugar do Espírito no esquema triádico.



A divina Tríade é invocada para mostrar com mais detalhes como Deus se relaciona com o mundo não somente na criação, mas na redenção. Irineu se acerca de Deus a partir de duas direções, vendo-o tanto como ele existe no seu ser intrínseco e também como ele se manifesta na economia, o processo ordenado da sua automanifestação. Do primeiro ponto de vista, Deus é o Pai de todas as coisas, inefavelmente um, e todavia contendo em si mesmo desde toda a eternidade a sua Palavra e a sua Sabedoria. Porém, ao dar-se a conhecer ou pôr-se em atividade na criação e na redenção, Deus manifesta esta Palavra e esta Sabedoria; como o Filho e o Espírito, elas são as suas “mãos”, os veículos ou formas da sua auto-revelação.



Norris pondera que a nota característica do ensino de Irineu acerca de Deus pode ser vista na sua luta com a doutrina do Logos herdada dos apologistas. Ele a utiliza, mas um tanto a contra-gosto e com cuidadosas qualificações. A Palavra ou o Verbo é visto como o Mediador. O Pai está “acima de tudo”, enquanto que a Palavra é “através de todas as coisas”. O Pai está de algum modo “fora” do mundo e a Palavra parece um poder intermediário através de quem Deus se relaciona com o mundo e atua nele. A Palavra é o Mediador da revelação: o Deus invisível e incompreensível não é dado a conhecer diretamente, mas através da sua Palavra.



Irineu não fica inteiramente satisfeito com esta linguagem. A sua oposição ao gnosticismo o torna avesso a qualquer sugestão de que existe mais de uma substância divina ou de que Deus está de algum modo separado do seu mundo. Assim, ele repudia todas as tentativas de se explorar o processo pelo qual o Logos/Verbo foi gerado (2,28,4-6; 2,13,8). Tal linguagem parece sugerir que o Logos é um estado intermediário entre Deus e a criação e parece implicar em distinções de grau dentro da Divindade. Ao mesmo tempo, o Verbo ou Filho é corretamente chamado “Deus” (Dem. 47); ele é distinto de tudo o que é gerado e coexiste com o Pai desde toda a eternidade (2,30,9; 3,18,1; 4,20,1).



Com o Filho Irineu associou intimamente o Espírito, argumentando que, se Deus era racional e portanto tinha o seu Logos, ele também era espiritual e assim tinha o seu Espírito (Dem. 5). Nisto, Irineu demonstrou ser um seguidor de Teófilo de Antioquia e não de Justino, identificando o Espírito, não o Verbo, com a Sabedoria divina, e assim fortalecendo a sua doutrina do Espírito Santo com uma base bíblica segura (Sl 33.6; Pv 3.19; 8.22-36; etc.). O Espírito é plenamente divino, ainda que em nenhum lugar Irineu o designe expressamente como Deus, pois ele é o Espírito de Deus, continuamente brotando do seu ser (5,12,2).



Irineu também é bastante peculiar e criativo no seu ensino acerca do Verbo e da Sabedoria, o Filho e o Espírito, como “as duas mãos de Deus” (4,20,1), uma imagem que faz lembrar Jó 10:8a e Salmo 119:73. Esta é outra maneira pela qual ele acentua a doutrina de um Deus imediatamente presente e ativo. É o próprio Deus Supremo que está empenhado numa atividade criadora neste mundo. Lawson observa que este ensino denota uma “ação direta”, em contraste com os anjos intermediários dos sistemas gnósticos (Adv. haer. 4,7,4). Irineu também fala do “Pai que planeja tudo bem e dá as suas ordens, o Filho que as executa e realiza a obra de criação, e o Espírito que nutre e faz crescer. . .” (4,38,3). Vê-se aqui um esforço de preservar a igualdade do status divino entre o Filho e o Espírito exigida pela fórmula triádica. Assim, “as duas mãos de Deus” é uma expressão do caráter imediato da criação, não do seu caráter mediato.



O Verbo e o Espírito colaboram na obra de criação e direção (4,20,2; Dem. 5) e também nas atividades de inspiração e revelação. O Verbo revela o Pai (4,6,3; 4,6,6). Na encarnação o Verbo, até então invisível aos olhos humanos, tornou-se visível e manifestou pela primeira vez aquela imagem de Deus a cuja semelhança o ser humano foi originalmente criado (5,16,2). O Espírito atuou nos profetas e nos crentes da antigüidade; somente ele capacita as pessoas a conhecerem o Filho (Dem. 6,7). A santificação é inteiramente obra do Espírito.



Lawson acredita que o tratamento mais profundo e consistente da natureza de Deus feito por Irineu está em Adv. haer. 4,20,1-12, um capítulo que inicia com a celebração do amor de Deus. No centro da religião de Irineu, está o conceito do amor auto-comunicativo de Deus. Porque ele ama, Deus livremente dá de si mesmo na criação, nos profetas e no Filho do seu amor.



Conclusão



A visão de Irineu acerca da Divindade é a mais completa e também a mais explicitamente “trinitária” que se pode encontrar antes de Tertuliano. Seus característicos do segundo século destacam-se claramente, particularmente em sua apresentação da Tríade através da imagem, não de três pessoas co-iguais (conceito pós-niceno), mas de um único personagem, o Pai, que é a própria Deidade, com a sua mente ou racionalidade e a sua sabedoria.



Confrontado com as extravagâncias gnósticas, Irineu permaneceu extremamente avesso à investigação das profundezas ontológicas da Tríade e das relações entre o Pai, o Filho e o Espírito Santo. O fato importante destacado pela fórmula batismal e acentuado por Irineu é que existem distinções reais no ser imanente do Pai único e indivisível e que, embora somente tenham sido plenamente manifestas na “economia”, elas realmente estavam presentes desde toda a eternidade.



A teologia de Irineu é um tributo à sua fé no Deus triúno, à sua capacidade intelectual e ao seu compromisso com a Igreja. É também uma evidência eloqüente da força interior e da crescente influência do cristianismo primitivo, que teve no bispo de Lião um dos seus mais notáveis e dignos representantes. Nos dias atuais, em que diversos sistemas neo-gnósticos e pseudocristãos continuam a questionar a fé cristã histórica, o exemplo de Irineu nos incentiva a aprofundar a nossa reflexão teológica à luz das Escrituras e da experiência da Igreja.



Orígenes - http://pt.wikipedia.org/wiki/Or%C3%ADgenes



Orígenes (em gregoὨριγένης), cognominado Orígenes de Alexandria ou Orígenes de Cesaréia ou ainda Orígenes o Cristão (Alexandria, Egipto, c.185 — Cesareia, ou, mais provavelmente, Tiro, 253[1]), foi um teólogo, filósofoneoplatônicopatrístico e é um dos Padres gregos.

Um dos mais distintos pupilos de Amônio de Alexandria[2], Orígenes foi um prolífico escritorcristão, de grande erudição, ligado à Escola Catequética de Alexandria, no período pré-niceno.[3]

Inspirados em Orígenes e na Escola de Alexandria, muitos escritores cristãos desenvolveram suas obras: Sexto Júlio Africano, Dionísio de Alexandria, o Grande, Gregório Taumaturgo, Firmiliano, bispo de Cesareia (Capadócia), Teognosto, Pedro de Alexandria, Pânfilo e Hesíquio.

Orígenes de Alexandria não deve ser confundido com o filósofo Orígenes, o Pagão (210-280), mais jovem e também integrante da Escola de Alexandria, porém discípulo de Plotino.



Biografia

O maior erudito da Igreja antiga - segundo J. Quasten - nasceu de uma família cristã egípcia e teve como mestre Clemente de Alexandria.

Assumiu, em 203, a direcção da escola catequética de Alexandria - fundada por um estóico chamado Panteno, que se havia convertido à mensagem de Cristo - atraindo muitos jovens estudantes pelo seu carisma, conhecimento e virtudes pessoais.

Depois de ter também frequentado, desde 205, a escola de Amônio Sacas, fundador do neo-platonismo e mestre de Plotino, apercebeu-se da necessidade do conhecimento apurado dos grandes filósofos.

No decurso de uma viagem à Grécia, no ano de 230, foi ordenado sacerdote na Palestina pelos bispos Alexandre de Jerusalém e Teoctisto de Cesaréia.

Em 231, Orígenes foi forçado a abandonar Alexandria devido à animosidade que o bispo Demétrio lhe devotava pelo facto de se ter castrado e convocou o Concílio de Alexandria (231) com esta finalidade. Também, contribui para esse facto o de Orígenes ter levado ao extremo a apropriação da filosofia platónica, tendo sido considerado herético.

Orígenes, então, passou a morar num lugar onde Jesus havia muitas vezes estado: Cesareia, na Palestina, onde prosseguiu suas actividades com grande sucesso, abrindo a chamada Escola de Cesaréia. Na sequência da onda de perseguição aos cristãos, ordenada por Décio, Orígenes foi preso e torturado, o que lhe causou a morte, por volta de 253.

Os seus ensinos foram condenados ainda pelo Concílio de Alexandria de 400 d.C. e pelo Segundo Concílio de Constantinopla, em 533, o que demonstra terem perdurado até ao século VI.

A produção teológica

Orígenes escreveu - diz-nos São Jerónimo em De Viris Illustribus[1] - nada menos que 600 obras, entre as quais as mais conhecidas são: De Princippis; Contra Celso e a Héxapla. Entre os seus numerosos comentários bíblicos devem ser realçados: Comentário ao Evangelho de Mateus e Comentário ao Evangelho de João. O número das suas homílias que chegaram até aos dias de hoje ultrapassam largamente a centena.

Traços de um pensamento

“A importância do Espírito Santo:

«O Espírito sopra onde quer (Jo 3, 8). Isto significa que o Espírito é um ser substancial e não, como alguns afirmam, uma simples força ou actividade de Deus sem existência individual. O Apóstolo (São Paulo), depois de enumerar os dons do Espírito, prossegue: "um só e o mesmo Espírito opera todas estas coisas, repartindo particularmente a cada um de acordo com a sua vontade" (1 Cor 12, 11). Portanto, se actua e distribui de acordo com a sua vontade, é um ser substancial activo, e não uma mera ctividadeu manifestação.»”

— Fragm. in Jo. 37.

Orígenes, além dos seus trabalhos teológicos, dedicou-se ao estudo e à discussão da filosofia, em especial Platão e os filósofos estóicos.

No seu pensamento, podemos referir a tese da pré-existência da alma e a doutrina da "apocatastase", ou seja, da restauração universal (palingenesia), ambas posteriormente condenadas no Segundo Concílio de Constantinopla, realizado em 553, por serem formalmente contrárias ao núcleo irredutível do ensinamento bíblico -, embora estudiosos modernos e contemporâneos reconheçam inequivocamente que a primeira era mais «atribuída a Orígenes (por outros) do que propriamente defendida por ele».

Segundo o renomado livro sobre a História da Filosofia, de Reale e Antiseri,[4] a condenação de algumas doutrinas de Orígenes se deu muito pelos exageros cometidos pelos seus discípulos, os origenistas.

Ao contrário do que afirmam certos teosofistas - como, por exemploGeddes MacGregor no seu livro de 1978 "Reincarnation in Christianity: A New Vision of the Role of Rebirth in Christian Thought" -, Orígenes era totalmente contrário à doutrina da metempsicose (renascimento do ser humano em animais). Profundo conhecedor deste conceito a partir da filosofia grega, afirma que a metempsicose (transmigracão) «é totalmente alheia à Igreja de Deus, não ensinada pelos Apóstolos e não sustentada pela Escritura» ("Comentário ao Evangelho de Mateus" XIII, 1, 46–53).

Orígines, embora não duvidando de que o texto sagrado seja invariavelmente verdadeiro, insiste na necessidade da sua correcta interpretação. Assim, teve a suficiente percepção para distinguir três níveis de leitura das escrituras: 1- o Literal 2- o Moral; 3- o Espíritual, que é o mais importante e também o mais difícil. Segundo Orígenes, cada um destes níveis indica um estado de consciência e amadureciamento espiritual e psicológico.

Santíssima Trindade

Orígenes como é comum nos escritores cristãos influenciados pelas doutrinas derivadas de Platão coloca as Idéias platônicas na Mente Divina, na Sabedoria de Deus. O Filho de Deus, Segunda Pessoa da Trindade, é a Sabedoria biblica: Mente de Deus, substancialmente subsistente:

[…] Deus sempre foi Pai, e sempre teve o Filho unigênito, que, conforme tudo o que expusemos acima, é chamado também de sabedoria (…) nesta sabedoria que sempre estava com o Pai, estava sempre contida, preordenada sob a forma de idéias, a criação, de modo que não houve momento em que a idéia daquilo que teria sido criado não estivesse na sabedoria…(Orígenes. Os princípios, livro I, 4, 4-5.)

Influenciado pelo Medioplatonismo e pelo inicio do Neoplatonismo Orígenes admite certa subordinação do Filho ao Pai, é importante ressaltar que tal subordinação foi exagerada por seus adversários. E que apesar de discordar da perfeita paridade entre o Pai e o Filho, na História da Filosofia de Giovanni Reale afirma que Orígenes defende que o Pai e o Filho possuem a mesma essência.

Ao contrário dos homens que tornaram-se filhos de Deus pela adoção do Espírito: "Porquanto não recebestes um espírito de escravidão para viverdes ainda no temor, mas recebestes o espírito de adoção pelo qual clamamos: Aba! Pai!" (Romanos 8,15). Orígenes afirma que Cristo é Filho por natureza, "o Filho unigênito do Pai". (Orígenes. Os princípios, livro I, 4, 4-5).

O que vai configurar o pensamento do Primeiro Concílio de Nicéia, com a ressalva que Cristo Se fez menor do que o Pai quando Se encarnou até a morte na cruz, quando ressuscita ao terceiro dia e Se senta segundo Suas palavras à direita do Poder (Mt 26, 64).

Maria no Cristianismo

O pensamento de Orígenes chama bastante atenção no que diz respeito a esse tema, pois alem de afirmar a virgindade perpétua de Maria, o que foi praticamente uma unanimidade nos primeiros séculos do cristianismo, realça os olhos com que naturalidade afirma também a imaculada conceição de Maria: "Desposada com José, mas não carnalmente unida. A Mãe deste foi Mãe imaculada, Mãe incorrupta, Mãe intacta. A Mãe deste, de qual este? A Mãe do Senhor, Unigênito de Deus, do Rei universal, do Salvador e Redentor de todos." (Orígenes - homilia inter collectas ex variis locis).

Primado de Pedro

Conforme fragmento conservado na "História Eclesiástica" de Eusébio, III, 1 Orígenes conta como foi o martírio do apóstolo Pedro em Roma: "Pedro, finalmente tendo ido para Roma, lá foi crucificado de cabeça para baixo".

E professa também o Primado de Pedro: "E Pedro, sobre quem a Igreja de Cristo foi edificada, contra a qual as portas do inferno não prevalecerão. (…)" (In Joan. T.5 n.3).

Batismo

Orígenes também atesta que a Igreja como sempre fez deve batizar as crianças: "A Igreja recebeu dos Apóstolos a tradição de dar batismo também aos recém nascidos". (Epist. ad Rom. Livro 5,9).

A Contra Celso e a exegese alegórica

Orígenes dedicou uma de suas obras contra Celso, considerado um dos primeiros críticos da doutrina do Cristianismo. Do que sabemos de Celso foi o próprio Orígenes quem nos deu a conhecer, inclusive a sua obra a Alêthês Lógos (O logos verdadeiro).

A partir de Orígenes, sabemos ainda apenas que ele é do século II, e que escreveu a sua obra por volta de 178, e, portanto, sob o reinado do imperador Marco Aurélio (que se deu de 161 a 180).

A Alêthês Lógos, de Celso, coloca em questão vários assuntos da crença relacionados à criação e à unidade de Deus, à encarnação e ressurreição de Jesus, aos profetas, aos milagres, etc. Ela questiona também assuntos da vida religiosa, não só sobre a moral, mas também sobre a participação da Igreja e dos cristãos na vida política e social.[5]

Na seqüência, Spinelli analisa esses vários pontos que a Contra Celso de Orígenes se propõe a combater. A obra exegética de Orígenes se concentra sobretudo no tratado que ele desenvoleu Sobre os princípios (Perì archôn). A exegese difundida e aplicada por ele está apoiada no que o judeu Fílon de Alexandria (20 a.C a 42 d.C.) concebeu como intepretação alegórica dos textos sagrados do judaísmo.

Filon era de opinião de que o texto bíblico, de um modo geral, carecia de ser interpretado historicamente (no sentido da crítica das fontes, da origem do texto e de seu contexto). Dado que as palavras tinham um sentido escondido, mas admirável e profundo, era necessário adentrar-se nessa profundeza, a fim de trazer à tona, além do sentido magnífico, todo o seu valor… É nessa mesma perspectiva de Fílon (representante da Escola Bíblica Judaica), e no ambiente das escolas exegéticas de Alexandria… que se desenvolveu a exegese de Orígenes.[6]





Aurélio Agostinho



Aurélio Agostinho (em latim: Aurelius Augustinus), dito de Hipona,[1] conhecido como Santo Agostinho[2] (Tagaste, 13 de novembro de 354 - Hipona, 28 de agosto de 430), foi um bispo, escritor, teólogo, filósofo e é um Padre latino e Doutor da Igreja Católica.

Agostinho é uma das figuras mais importantes no desenvolvimento do cristianismo no Ocidente. Em seus primeiros anos, Agostinho foi fortemente influenciado pelo maniqueísmo e pelo neoplatonismo de Plotino,[3] mas depois de tornar-se cristão (387), ele desenvolveu a sua própria abordagem sobre filosofia e teologia e uma variedade de métodos e perspectivas diferentes.[4] Ele aprofundou o conceito de pecado original dos padres anteriores e, quando o Império Romano do Ocidente começou a se desintegrar, desenvolveu o conceito de Igreja como a cidade espiritual de Deus (em um livro de mesmo nome), distinta da cidade material do homem.[5] Seu pensamento influenciou profundamente a visão do homem medieval. A Igreja se identificou com o conceito de "Cidade de Deus" de Agostinho, e também a comunidade que era devota de Deus.[6]

Na Igreja Católica, e na Igreja Anglicana, é considerado um santo, e um importante Doutor da Igreja, e o patrono da ordem religiosa agostinha. Muitos protestantes, especialmente calvinistas, o consideram como um dos pais teólogos da Reforma Protestante ensinando a salvação e a graça divina.

Na Igreja Ortodoxa Oriental ele é louvado, e seu dia festivo é celebrado em 15 de junho, apesar de uma minoria ser da opinião que ele é um herege, principalmente por causa de suas mensagens sobre o que se tornou conhecido como a cláusula filioque.[7] Entre os ortodoxos é chamado de "Agostinho Abençoado", ou "Santo Agostinho o Abençoado".[8]



Biografia

Agostinho nasceu na cidade de Tagaste, província de Souk Ahras, na época uma província romana no norte de África, na atual Argélia, filho de pai pagão, chamado Patrício e mãe católica, Mônica. Foi educado no norte de África e resistiu aos ensinamentos de sua mãe para se tornar cristão.[9]



Agostinho, em um afresco de Sandro Botticelli

Agostinho era de ascendência berbere. Com onze anos de idade, foi enviado para a escola em Madaura, uma pequena cidade da Numídia. Lá ele tornou-se familiarizado com a literatura latina, bem como práticas e crenças do paganismo. Em 369 e 370, ele permaneceu em casa.

Durante esse período ele leu o diálogo Hortensius de Cícero (hoje perdido), que deixou uma impressão duradoura sobre ele e despertou-lhe o interesse pela filosofia e passou a ser um seguidor do maniqueísmo.[9]

Com dezessete anos, graças à generosidade de um concidadão, chamado Romaniano, o pai de Agostinho pode enviá-lo para Cartago para continuar sua educação na retórica. Vivendo como um pagão intelectual, ele tomou uma concubina; numa tenra idade, ele desenvolveu uma relação estável com uma mulher jovem em Cartago, com a qual teve um filho, Adeodato.

Durante os anos 373 e 374, Agostinho ensinou gramática em Tagaste. No ano seguinte, mudou-se para Cartago a fim de ocupar o cargo de professor da cadeira municipal de retórica, e permanecerá lá durante os próximos nove anos.[9]

Desiludido pelo comportamento indisciplinado dos alunos em Cartago, em 383, mudou-se para estabelecer uma escola em Roma, onde ele acreditava que os melhores e mais brilhantes retóricos ensinaram. No entanto, Agostinho ficou desapontado com as escolas romanas, que ele encontrou apática. Quando chegou o momento para os seus alunos para pagar os seus honorários eles simplesmente fugiram.

Amigos maniqueístas apresentaram-lhe o prefeito da cidade de Roma, Symmachus, que tinha sido solicitado a fornecer um professor de retórica imperial para o tribunal provincial em Milão. Agostinho ganhou o emprego e ocupou o cargo no final de 384.[9]

Cristão

Agostinho recebe o batismo das mãos de Ambrósio

Enquanto ele estava em Milão, Agostinho mudou de vida. Ainda em Cartago, começou a abandonar o maniqueísmo, em parte devido a um decepcionante encontro com um chefe expoente da teologia maniqueísta, Fausto.[9]

Em Roma, ele relata ter completamente se afastado do maniqueísmo, e abraçou o movimento cético da Academia Neoplatónica. Sua mãe insistia para que ele se tornasse cristão e também seus próprios estudos sobre o neoplatonismo também foram levando-o neste sentido, e seu amigo Simplicianus instou-o dessa forma também. Mas foi a oratória do bispo de Milão, Ambrósio, que teve mais influência sobre a conversão de Agostinho.

A mãe de Agostinho havia-o seguido para Milão e insistiu para que abandonasse a relação com a mulher com quem vivia ilegalmente e procurasse outra para casar, conforme as leis do mundo e a doutrina cristã. A amada foi mandada de volta para a África e Agostinho deveria esperar dois anos para contrair casamento legal; mas logo ligou-se a uma concubina.[9]

No verão de 386, após ter lido um relato da vida de António do Deserto, de Atanásio de Alexandria, que muito inspirou-lhe, Agostinho sofreu uma profunda crise pessoal. Decidiu se converter ao cristianismo católico, abandonar a sua carreira na retórica, encerrar sua posição no ensino em Milão, desistir de qualquer ideia de casamento, e dedicar-se inteiramente a servir a Deus e às práticas do sacerdócio.

A chave para esta transformação foi à voz de uma criança invisível, que ouviu enquanto estava em seu jardim em Milão, que cantava repetidamente, "Tolle, lege"; "tolle, lege" ("toma e lê"; "toma e ler"). Ele tomou o texto da epístola de Paulo aos romanos, e abriu ao acaso em 13:13-14, onde lê-se: "Não caminheis em glutonerias e embriaguez, nem em desonestidades e dissoluções, nem em contendas e rixas, mas revesti-vos do Senhor Jesus Cristo e não procureis a satisfação da carne com seus apetites".[9]

Ele narra em detalhes sua jornada espiritual em sua famosa Confissões (Confessions), que se tornou um clássico tanto da teologia cristã quanto da literatura mundial. Ambrósio batizou Agostinho, juntamente com seu filho, Adeodato, na vigília da Páscoa, em 387, em Milão, e logo depois, em 388 ele retornou à África. Em seu caminho de volta à África sua mãe morreu, e logo após também seu filho, deixando-o sozinho, sem família.

Bispo

Após o regresso ao Norte da África, vendeu seu patrimônio e deu o dinheiro aos pobres. A única coisa com que ele ficou foi a casa da família, que se converteu em uma fundação monástica para si e um grupo de amigos.

Em 391, ele foi ordenado sacerdote em Hipona (atual Annaba, na Argélia). Em 396, foi eleito bispo coadjutor de Hipona (auxiliar, com o direito de sucessão depois da morte do bispo corrente) e pouco depois bispo principal. Ele permaneceu nessa posição em Hipona até sua morte em 430.[9]

Ele deixou o seu mosteiro, mas continuou a levar uma vida monástica na residência episcopal. Ele deixou uma regra (latim, regulamentos) para seu mosteiro que o levou ser designado o "santo padroeiro do clero regular", isto é, sacerdotes que vivem por uma regra monástica.



Tumba de Agostinho na Basílica de São Pedro em céu de ouro em Pávia.

Sua vida foi registrada pela primeira vez por seu amigo São Possídio, bispo de Calama, no seu Sancti Augustini vita. Descreveu-o como homem de poderoso intelecto e um enérgico orador, que em muitas oportunidades defendeu a fé católica contra todos seus inimigos.[9]

Possídio também descreveu traços pessoais de Agostinho com detalhe, desenhando um retrato de um homem que comia com parcimónia, trabalhou incansavelmente, desprezando fofocas, rejeitando as tentações da carne, e que exerceu a prudência na gestão financeira conforme sua posição e autoridade de bispo.

Sua vida não é tranquila: missa diária, prega até duas vezes ao dia, dá catequese, administra bens temporais, resolve questões de justiça (cerca, muro, dívidas, brigas de família…), atende aos pobres e órfãos, etc.[10]

Pouco antes da morte de Agostinho, a África romana foi invadida pelos vândalos, uma tribo guerreira que estava aderindo ao arianismo. Pouco depois de Hipona ser cercada pelos bárbaros Agostinho adoeceu; Possídio relata que ele gastou seus últimos dias em oração e penitência, pedindo para que os salmos penitenciais de Davi fossem pendurados em sua parede para que ele pudesse ler. Pouco tempo após sua morte, os vândalos levantaram o cerco de Hipona, mas não muito tempo depois eles voltaram e queimaram a cidade. Eles destruíram tudo, mas a catedral de Agostinho e a biblioteca ficaram inalteradas.

Agostinho foi canonizado por reconhecimento popular e reconhecido como um Doutor da Igreja. Na Igreja Católica, o seu dia é 28 de agosto, o dia no qual ele supostamente morreu. Ele é considerado o santo padroeiro dos cervejeiros, impressores, teólogos e de um grande número de cidades e dioceses. Para os protestantes ou evangélicos, Agostinho é referencial na história eclesiástica, pois foi um valoroso líder da Igreja primitiva e deixou suas marcas como verdadeiro discípulo de Cristo.

Obras

Agostinho foi um autor prolífico em muitos géneros — tratados filosóficos, teológicos, comentários de escritos da Bíblia, além de sermões e cartas.[9]

Dele restaram algumas centenas de cartas (Epistulae) e de sermões (Sermones) considerados autênticos. Além disso, deixou 113 obras escritas.[10]

Agostinho é chamado de o Doutor da Graça, por sua compreensão sobre o tema.

• Textos autobiográficos:

As suas Confissões (Confesiones), escritas entre os anos 397-398, são geralmente consideradas como a primeira autobiografia. Agostinho descreve sua vida desde sua concepção até à sua então relação com Deus, e termina com um longo discurso sobre o livro do Génesis, no qual ele demonstra como interpretar a Bíblia. A consciência psicológica e auto-revelação da obra ainda impressionam leitores.

Mesmo sendo uma autobiografia, as Confissões não deixam de ter a marca filosófica de Agostinho. No Livro X, Agostinho escreve sobre a memória e suas atribuições. Já no Livro XI, Agostinho fala sobre a Criação, sobre o Tempo e da noção psicológica que se tem deste.

No fim da sua vida, Agostinho revisitou os seus trabalhos anteriores por ordem cronológica e sugeriu que teria falado de forma diferente numa obra intitulada Retratações, que nos daria uma imagem considerável do desenvolvimento de um escritor e os seus pensamentos finais.

• Filosóficos:

Diálogos: Solilóquios (Soliloquiorum libri duo), Sobre o Mestre (De Magistro, trata da educação neste diálogo), Sobre o livre arbítrio (De Libero Arbitrio, trata sobre o mal e sobre as escolhas)

Contra os acadêmicos (Contra academicos, em que combate o cepticismo).

O Livro das disciplinas (Disciplinarum libri é uma vasta enciclopédia com o fim de mostrar como se pode e se deve ascender a Deus a partir das coisas materiais. Não está acabada).

• Apologéticos: Da verdadeira religião (De vera religione), etc.

A Cidade de Deus (iniciada c. de 413, terminada em 426, uma de suas obras capitais, nela nos oferece uma síntese de seu pensamento filosófico, teológico e político). O De civitate Dei libri XXII.

• Dogmáticos:

Entre 399-422, escreveu A Trindade, uma das principais obras que apoia a crença na Santíssima Trindade de Deus. O De Trinitate libri XV.

Sobre a imortalidade da alma (De inmortalitate animae)

Sobre a potencialidade da alma (De quantitate animae)

Enquirídio (Enchiridion, ad Laurentium ou De fide, spe et caritate liber I, é um manual de teologia segundo o esquema das três virtudes teológicas. Contém uma explicação do Credo, da oração do Padre Nosso e dos preceitos morais da Igreja Católica).

Da fé e do credo livro I (De fide et símbolo liber I), etc.

• Morais e pastorais:

Contra mendacium, Da catequese dos não instruídos livro I (De catechizandis rudibus liber I), Da continência livro I (De continentia liber I), Da paciência livro I (De patientia liber I), etc.

• Monásticos:

Regula ad servos — a mais antiga das regras monásticas do Ocidente.

• Exegéticos:

A Bíblia teve um papel decisivo para Agostinho. Pode-se destacar:

Da doutrina cristã livro IV (De doctrina christiana libri IV (é uma síntese dogmática que servirá de modelo para as Sententiae os pensadores da Idade Média), De Genesi ad litteram libri XII, Da harmonia dos evangelhistas livro IV (De consensu Evangelistarum libri IV (foram escritos em resposta aos que acusavam os evangelistas de contradizer-se e de haver atribuído falsamente a Cristo a divinidade), etc.

• Tratados:

Tratados sobre o evangelho de João (In Iohannis evangelium tractatus), As enarrações, ou exposições, dos Salmos (Enarrationes in Psalmos), etc.

• Polémicos:

Muitas de suas obras tem caráter polêmico por causa dos conflitos que ele enfrentou. Isso levou São Posídio a classificá-las conforme os adversários combatidos: pagãos, astrológos, judeus, maniqueus, priscilianistas, donatistas, pelagianos, arianos e apolinaristas.[9]

De natura boni liber I, Psalmus contra partem Donati, De peccatorum meritis et remissione et de baptismo parvolorum ad Marcellium libri III (de 412, primeira teología bíblica da redencão, do pecado original e da necessidade do batismo), De gratia et libero arbitrio liber I (de 426, em que demonstra a necessidade da graça, da existência do livre arbitrío), De haeresibus, etc.

Pensamento

O problema do mal

Em seu livro Sobre o livre arbítrio (em latim: De libero arbitrio) Agostinho tenta provar de forma filosófica que Deus não é o criador do mal. Pois, para ele, tornava-se inconcebível o fato de que um ser tão bom, pudesse ter criado o mal.[11]

A concepção que Agostinho tem do mal, esta baseada na teoria platônica, assim o mal não é um ser, mas sim a ausência de um outro ser, o bem. O mal é aquilo que "sobraria" quando não existe mais a presença do bem. Deus seria a completa personificação deste bem, portanto não poderia ter criado o mal.

No diálogo com seu amigo Evódio, Agostinho tenta explicar-lhe que a origem do mal está no livre-arbítrio concedido por Deus. Deus em sua perfeição, quis criar um ser que pudesse ser autônomo e assim escolher o bem de forma voluntária. O homem, então, é o único ser que possuiria as faculdades da vontade, da liberdade e do conhecimento. Por esta forma ele é capaz de entender os sentidos existentes em si mesmo e na natureza. Ele é um ser capacitado a escolher entre algo bom (proveniente da vontade de Deus) e algo mau (a prevalência da vontade das paixões humanas).[12]

Entretanto, por ter em si mesmo a carga do pecado original de Adão e Eva, estaria constantemente tendenciado a escolher praticar uma ação que satisfizesse suas paixões (a ausência de Deus em sua vida). Deus, portanto, não é o autor do mal, mas é autor do livre-arbítrio, que concede aos homens a liberdade de exercer o mal, ou melhor, de não praticar o bem.

Tempo e Criação

No Livro XI das Confissões (em latim: Confessiones) Agostinho põe-se a cargo de versar acerca da criação do mundo por meio do Verbo, que podemos entender como "palavra criadora". Com efeito, o filósofo compreende que o mundo só poderia ter duas origens 1) do nada (em latim: ex-nihilo) e 2) a partir de parte da sua substância. No entanto, a última suposição é falsa pois teria de se admitir um Deus imutável, algo não condizente com o pensamento do Doutor Africano.

A fim de responder a asserção: “Do que faria Deus antes de criar o mundo?”[13] o filósofo tece sua crítica aos maniqueus e expõe seu pensamento a respeito do tempo e da criação. A evidente resposta do Santo Doutor à tal pergunta é a de que Deus não estaria fazer nada, pois não havia tempo antes deste ter sido criado por Deus, ficando expresso que o tempo nada mais é do que uma criatura assim como o mundo e todas as coisas. Para o pensador, o tempo e o universo foram criado em conjuto, e Deus estaria fora deste contexto pois ele é eterno e a eternidade não entra no tempo.

Para o filósofo do medievo, o tempo não tem existência per se e só pode ser apreendido por nossa alma por meio de uma atividade chamada de "distensão da alma" (em latim: distentio animi). A distensão da alma, grosso modo, nada mais é do que a compreensão dos três tempos; pretérito, presente e futuro na alma, de modo que seja possível lembrar do passado, viver o presente e prever o futuro. Agostinho afirma que a alma é quem pode medir o tempo e essa "medição" atesta a existência do tempo apenas em caráter psicológico.

Influência como pensador e teólogo

Santo Agostinho.

Na história do pensamento ocidental, sendo muito influenciado pelo platonismo e neoplatonismo, particularmente por Plotino, Agostinho foi importante para o "baptismo" do pensamento grego e a sua entrada na tradição cristã e, posteriormente, na tradição intelectual europeia. Também importantes foram os seus adiantados e influentes escritos sobre a vontade humana, um tópico central na ética, que se tornaram um foco para filósofos posteriores, como Arthur Schopenhauer e Friedrich Nietzsche, mas ainda encontrando eco na obra de Albert Camus e Hannah Arendt (ambos os filósofos escreveram teses sobre Agostinho).

É largamente devido à influência de Agostinho que o cristianismo ocidental concorda com a doutrina do pecado original. Os teólogos católicos geralmente concordam com a crença de Agostinho de que Deus existe fora do tempo e no "presente eterno"; o tempo só existe dentro do universo criado.

O pensamento de Agostinho foi também basilar na orientação da visão do homem medieval sobre a relação entre a fé cristã e o estudo da natureza. Ele reconhecia a importância do conhecimento, mas entendia que a fé em Cristo vinha restaurar a condição decaída da razão humana, sendo portanto mais importante. Agostinho afirmava que a interpretação da Bíblia deveria ser feita de acordo com os conhecimentos disponíveis, em cada época, sobre o mundo natural. Escritos como sua interpretação do livro bíblico do Gênesis, como o que chamaríamos hoje de um "texto alegórico", iriam influenciar fortemente a Igreja medieval, que teria uma visão mais interpretativa e menos literal dos textos sagrados.

Tomás de Aquino tomou muito de Agostinho para criar sua própria síntese do pensamento filosófico grego e do cristão. Dois teólogos posteriores que admitiram influência especial de Agostinho foram João Calvino e Cornelius Otto Jansenius.

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