sexta-feira, 9 de abril de 2010

DOIS SERMÕES DE PÁSCOA - II

Longe dali, animado pelo champanhe na reitoria após a vigília da
Páscoa (por que não quebrar o jejum da Quaresma com estilo, mesmo
que seu jejum tenha sido esporádico?), o pastor Linguassolta está a
pleno vapor. Evidentemente, sabemos que o aspecto rudimentar e
exterior da história da Páscoa não é o que os autores tinham em mente.

A ciência moderna tem demonstrado que milagres não acontecem,
e mortos não ressuscitam. Seja como for, que tipo de Deus interromperia
o curso da história apenas uma vez, para resgatar uma única
pessoa, e não faria nada para impedir o Holocausto? Crer em algo tão
óbvio, tão evidente, tão pouco espiritual, como o sepulcro vazio e a ressurreição
corpórea, é ofensivo a qualquer pessoa com uma percepção
mais apurada. Particularmente, isso pode indicar (como seu bom amigo,
pastor Evangelista, sem dúvida imaginaria, graças ao seu
fundamentalismo) a superioridade do cristianismo sobre todas as outras
crenças, considerando que sabemos que Deus é radicalmente inclusivo
e que todas as religiões, todas as crenças, todas as visões de
mundo, podem ser caminhos que levam a Deus.

Assim... tudo indica que as histórias sobre o sepulcro vazio surgiram
muito tempo depois. O erudito pastor quer deixar muito claro que
essas histórias são a re-mitificação do drama escatológico primário, que
pegou os discípulos em um momento de empatia sociomórfica, e possivelmente sociopática, culminando com o anúncio apocalíptico da
visão beatífica. Bem, parece que a congregação não está conseguindo
entender direito o que ele está dizendo... Mas, como eles também
haviam encerrado o jejum da Quaresma com estilo...
Em se tratando do “por quê?”, o reverendo Linguassolta é enfático.

Agora que nos livramos de todo esse absurdo sobrenatural, o caminho
está livre para a “verdadeira ressurreição”. Essa acaba sendo uma maneira
nova de explicar o projeto humano, de romper velhos tabus (ele
tem em mente a ética sexual tradicional, mas esse é um assunto muito
delicado para o momento), e de descobrir um novo estilo de vida: uma
abordagem mais acolhedora, mais “inclusiva”. A “pedra” do legalismo
foi retirada e o “corpo ressuscitado”, a verdadeira centelha da vida e
de identidade escondida dentro de cada um de nós, pode finalmente
sair. Essa nova vida deve agora atingir todos os nossos relacionamentos.

Todas as nossas políticas sociais. A ressurreição não mais deve ser
vista como um evento único, imaginado por mentes pré-modernas e
sustentado com insistência por conservadores retrógrados, mas como
um evento contínuo, capaz de promover a libertação dos seres humanos
e do mundo.

Trecho do livro: “Surpreendido pela Esperança” – Norman T. Wrigt

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Cristão, pastor, pai, filho, esposo, amante e amado.

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