sexta-feira, 9 de abril de 2010

DOIS SERMÕES DE PÁSCOA - III

O pastor Linguassolta parece, por fim, ter encontrado algo, mas
não sabe bem o que é, nem se serve para alguma coisa.
O que o pastor Evangelista não percebe é que as histórias sobre a
ressurreição registradas nos evangelhos não falam de ir para o céu depois
de morrer. Na verdade, não há quase nada sobre “ir para o céu quando
morrer” em todo o Novo Testamento. Ser “cidadão do céu” (Fp 3.20)
não significa que nós vamos terminar lá. Muitos filipenses eram cidadãos
romanos, mas Roma não os queria de volta quando se aposentavam.
A função deles era levar a cultura romana à cidade de Filipos.
Esse é o argumento que os quatro evangelhos defendem, cada um
a seu próprio modo. Jesus ressuscitou; portanto, o novo mundo de
Deus já começou. Jesus ressuscitou; portanto, Israel e o mundo foram
redimidos. Jesus ressuscitou; portanto, seus seguidores têm uma nova
tarefa a cumprir.

E que tarefa é essa? Trazer o estilo de vida do céu para a realidade
atual, física e terrena. É isso que o pastor Evangelista nunca pôde
imaginar (embora sua pregação produza acidentalmente, e quase
sempre, esse resultado). A ressurreição corpórea de Jesus é mais que
uma prova de que Deus realiza milagres ou de que a Bíblia é verdadeira.
É mais do que conhecer Jesus em nossa própria experiência (isso é
verdade em relação ao Pentecostes, não à Páscoa). Ela é muito, mas
muito mais que a certeza do céu após a morte (Paulo fala de “partir e
estar com Cristo”, mas ele enfatiza principalmente a volta em um corpo
ressuscitado, para vivermos na nova criação de Deus). A ressurreição
de Jesus é o começo do novo projeto de Deus, não de arrebatar
pessoas da terra para levá-las ao céu, mas de colonizar a terra com o
estilo de vida do céu. É sobre isso que o Pai-Nosso está falando.
É por isso que a argumentação final do reverendo Linguassolta tem
uma ponta de verdade, embora todas as suas recusas anteriores o impeçam
de ver por que ela é verdadeira ou qual é a sua forma apropriada.
A ressurreição é, sem dúvida, o fundamento para uma nova maneira
de viver no mundo e para o mundo. No entanto, para obter um
resultado social, político e cultural, precisamos da ressurreição corpórea,
não de um evento meramente “espiritual” que poderia ter acontecido
a Jesus ou talvez apenas aos discípulos. Sua insistência em se referir à
“ciência moderna” (não que ele tenha lido alguma coisa sobre física
recentemente) é pura retórica iluminista. Não precisamos nem de
Galileu, nem de Einstein para nos dizer que os mortos não voltam à
vida.

Quando Paulo escreveu seu magnífico capítulo sobre a ressurreição
em 1 Coríntios 15, ele não terminou dizendo: “Bem, vamos então
celebrar o grandioso futuro que nos aguarda”. Ele concluiu dizendo:

“Sede firmes, inabaláveis, e sempre abundantes na obra do Senhor,
sabendo que, no Senhor, o vosso trabalho não é vão” (v. 58).

Quando a ressurreição final acontecer, como o ponto principal da nova criação
de Deus, descobriremos que tudo que foi feito no mundo presente
por meio do poder da ressurreição de Jesus será celebrado, incluído, e
adequadamente transformado.

Quando o pastor confuso tenta fazer com que a Páscoa signifique
“libertação da coerção moral” e “descoberta da verdadeira centelha
dentro de cada um de nós”, ele está forçando o verdadeiro cristianismo,
obrigando-o a fazer truques como um leão de circo, transformando-o
assim em outra forma de gnosticismo. A Páscoa fala da nova criação,
de uma nova, imensa e impressionante dádiva de graça transformadora, e não da descoberta de que esse velho mundo tem sido mal compreendido e precisa apenas de permissão para ser ele mesmo. Romanos 6, 1 Coríntios 6 e Colossenses 3 se mantêm firmes nesse ponto.


Bem, quantos de vocês já ouviram algum desses sermões?
Muito bem, podem recolher as apostas... Quanto eu ganhei?
E quantos ouviram um sermão que reflita sobre as palavras de Paulo
em Romanos 8, ou sobre os capítulos finais dos evangelhos, ou sobre
o que João escreveu em Apocalipse 21 e 22, a saber, que a Páscoa é
o começo da nova criação de Deus em um mundo surpreendido, e
aponta para a renovação, a redenção e o renascimento de toda a criação?

E agora, quantos já ouviram a mensagem de que todo ato de
amor, toda ação feita em Cristo e por meio do Espírito, toda obra de
verdadeira criatividade — todas as vezes que a justiça é feita, a paz é
conquistada, famílias são curadas, a tentação é vencida, e a verdadeira
liberdade é requerida e conquistada? Que esse evento terreno toma
lugar na longa história de atos que implementam a ressurreição de Jesus
e antecipam a nova criação final, e atuam como sinalizadores de
esperança, apontando da primeira para a segunda?

Foi o que eu pensei...


Trecho do livro: “Surpreendido pela Esperança” – Norman T. Wrigth

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